Em estado de graça, Nelson Freire faz homenagem a Chopin

Um grande público lotou anteontem a Sala São Paulo, para ouvir e ver de perto Nelson Freire – no concerto que abriu na cidade as comemorações em torno dos 200 anos de nascimento de Chopin, em iniciativa das Sociedades Chopin e Cultura Artística.

Nelson convive com Chopin desde a juventude e tem nele um de seus compositores preferidos. E está em estado de graça. Foi impecável nos três belíssimos solos, grandes momentos do Maestoso, primeiro movimento do Concerto em Fá Menor Opus 21.

O ponto alto foi o maravilhoso Larghetto central, construído como um Noturno: dois episódios líricos enquadram um dramático e virtuoso trecho central. Seu toque foi fulgurante ao praticamente acariciar as teclas, sem esbarrar no sentimentalismo vulgar.

Aos 20 anos, Chopin fez do larghetto o núcleo da declaração de amor sonora a uma jovem. Mas não esqueceu a virtuosidade. No ano anterior, Paganini fizera dez concertos em Varsóvia – e por isso a imprensa local chamou-o de “o Paganini do piano” quando a obra estreou.

O comentário pode ser sido provocado pelo virtuosístico Allegro vivace final, um rondó que mergulha na mazurca polonesa. Aqui a orquestra terça lanças com o solista, em diálogos em meio às variações. Muito ovacionado, Nelson preencheu plenamente as expectativas. A inesperada e formidável surpresa foi proporcionada pela Orquestra Filarmônica Brasileira, escalada para fazer figuração – até porque se enraizou na cabeça das pessoas, graças a preconceitos idiotas, que Chopin escrevia mal para orquestra.

Cláudio Cruz, violinista de exceção, agora também brilha de modo notável na regência. Orquestra e regente evidenciam a competência do compositor em sua primeira incursão no gênero orquestral. Além das cordas precisas, as madeiras e metais saíram-se bem.

Mas Cruz e seus comandados mostraram suas armas já na primeira parte. Brilhante a leitura da Sinfonia nº 5, que Mendelssohn compôs em 1831. A ideia era comemorar os 300 anos da Reforma de Lutero. Por isso, Mendelssohn tece, no Coral – Final, variações sobre o hino Ein Feste Burg de Lutero.

Frases bem recortadas e precisas; arcos dinâmicos coerentes; madeiras e metais excelentes. Cruz não só ensaiou muito com a orquestra, como foi aos detalhes na construção de uma leitura pessoal, que só é possível quando o regente tem os músicos inteiramente sob seu comando. O Cláudio Cruz regente não é uma surpresa, evidentemente; mas é ótimo saber que ele está pronto para ser a próxima grande surpresa na regência brasileira.

João Marcos Coelho – O Estadao de S.Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *